terça-feira, 11 de agosto de 2015

Por um fio

Eu estou ficando velho, meu amor. Eu posso sentir isso acabando. Eu posso sentir isso em cada canto do meu corpo. O verde das minhas folhas dão lugar a um tom levemente amarronzado. Pouco a pouco torno-me mais o que delineava antes como futuro, menos o que delineava, mais o futuro.

Meus sonhos me abraçam com uma delicadeza viva e eu os ouço respirar em meus ouvidos. Não é como eu esperava que chegasse, em meio a uma tempestade, com festa e estardalhaços. O sonho quando encontra a realidade é tal qual sopro que arrepia a pele, sutil. Um sonho realizado é um bocado de pelos espantados, é o processo de fabricação das lágrimas, não sua queda, é riso quando está a começar pelos olhos.

E eu estou ficando perto de Deus, meu amor. Eu posso senti-lo se aproximando. Eu o sinto cada vez mais em cada canto por onde ando. Seu transparente dá lugar a formas e a sombras. Pouco a pouco torna-se mais o que eu não delineava antes,  presente.

Eu aprendi a ver que mais sou eu quando aceito algo em mim do que quando tento fazer-me por minhas próprias mãos. Tenho em mim o que é mais meu sem ter sobre isso, porém, domínio algum. A lei do não-poder. Toco em cada coisa e sinto mais como se fosse tocado. Sinto-me o mesmo quando em um abraço ou quando fuzilado. E há noites que não durmo, e há dias que não fico acordado.  Não há sentido no dia, não há porquê essa vida sem que eu seja levemente devastado, sem que por um arrepio eu seja traspassado.