terça-feira, 20 de outubro de 2015

Notas sobre a Primavera

- Não é sobre o clima, disse ela. Não é apenas na primavera, esta daqui vai sempre precisar de água.

-- A bela moça me ofereceu uma planta. Plantara um cactus em seu jardim e me presenteara com o mais tenro sinal de agradecimento e confiança. Ela não me paga nada pelo meu trabalho e foi a melhor recompensa que já recebi. Eu nunca amei tanto uma planta. Ainda que aqui eu já tenha algumas, esta representa uma pessoa.

--- Eu sei que você deve estar aí cuidando de seu corrido mundo, mas a nossa cabeça é uma armadilha. Eu agora tenho uma planta para cuidar. A moça, em seu gesto, serviu a vida para além de seu alcance, me mostrou que há outras coisas a cuidar, justo quando eu mais precisava sair do meu próprio pensar. Não é uma falsa pretensa, o que eu sentir, eu ainda vou buscar.

---- Eu sinto que isso não acontece por acaso. O acaso é uma desculpa que o desatento criou para evitar o desamparo que é buscar o sentido das coisas. De todo modo, eu gostaria que tivesse sido diferente, mas inverso a tudo o que eu posso fazer para mudar, está você. Cada pessoa é mesmo um universo, e eu não sou tão determinante assim na sua vida quanto sou na vida de meus cactus. Talvez nem nisso eu seja, mas estou tentando acreditar.

-----Tenho chorado com facilidade. Toco mais minha gaita, ouço mais músicas antigas, estou relendo Dostoiévski, estou fazendo o possível para não me deter. Eu saio e corro e escondo o que é possível esconder, até onde é possível, só até te ver.

------ E tem mais outras coisas, coisas que eu queria dizer. Tem mais outras coisas, principalmente, que eu queria ouvir de você. E agora, toda vez que eu lembro do cactus e da bela moça, eu me lembro que na vida, o que vale mesmo, sem dúvida alguma, é se entregar.