segunda-feira, 3 de junho de 2019

Prelúdio ao sagrado


É peculiar o estado em que estamos, todas essas feridas não mentem, você tem uma ou duas perguntas, mas eu só quero esquecer de onde viemos. Você é o vento que sopra a chuva pela janela aberta da minha mente. Trato de secar, e então o vazio. O vazio me conhece muito bem. Ajoelhado, das doces memórias, dentre todas e tantas, eu tento desviar. Eu tenho certeza que estou preso em coisas que você me disse em voz alta, mas eu sussurro: você está perdendo o meu amor.

Não existe o caminho do poderia ter sido, então não vou deixar você entrar e aproveitar o meu tudo, não tão despretensioso. Bastava me ver, realmente me ver. A intimidade não se recompra por um punhado de mel. O que você viu eu nunca vou saber. No trajeto até você encontrei desvios tão bem feitos que eu já nem sabia se foi você ou se fui eu quem me perdi. E agora onde já não teve porta, tem fechadura, nada pior que a tristeza do lado de dentro. Nasci para ser aberto.

Despedir-se é reticência, mas por favor, não diga uma palavra agora. É para que não tire a beleza de nossos restos. Para cada vez que você pegar respostas antigas, cuspa-as com a força de uma arma e lance-as longe em direção a algum deus. Através de um milhão de maneiras você poderia me ter agora, e porque você precisou mentir? É o fardo das chances perdidas. Eu sussurro: você está perdendo o meu amor.

Ah se pudesse ir até a memória, roubar a agulha de vovó, e então costurar o passado como ela prendia um botão solto da camisa do papai! Eu sei que poderia passar o dia no quintal e esperar por aquele arrepio que eu costumava ter quando pequeno. O mundo deixou de ser tão novo e especial. É doloroso, mas espere, você vai sentir alguma coisa algum dia, eu ouvi. Real e justo consolo.

É o pensamento de perder tudo que você tem? Querido, eu também ficaria com medo. Diga o que há em seu coração e se você quer ir, se você quiser realmente ir. Você sabe, eu bradei isso antes, sonhar não é escuro. E quando o sol se pôs, fui eu quem me esqueci de acreditar.

Pisando com cautela, estamos mudando a cena. Eu estou aqui e você está aí. Eu estou no meio de novo, no meio de algo que eu desconheço. Em algum lugar, devagar, eu posso finalmente sentir o tempo se mover em mim, com esperança e melhor.

Você conhece alguma estrada secreta para onde eu possa ir? Se não for pedir muito, eu tenho aqui uma canção que eu nunca cantei e flores para colocar em seu cabelo. Tão cedo você pode tomar a minha água. Eu só preciso de um espaço onde eu possa deixar os meus sapatos.

E se estiver apenas de passagem, talvez ainda possamos nos convencer de que existe um outro mundo. Podemos andar pelos becos e bares escondidos e até nos sentarmos sobre os telhados da cidade. Brindaremos no sereno ao ver que as mesmas estrelas de sempre ainda estão por lá.

Andamos pelas vielas a nos perguntar sobre as histórias dos cidadãos famosos que doaram seus nomes aos endereços. Também falamos sobre miséria está por todo canto, de cima de um telhado eu pude ver. A realidade tão nua envergonha.

Quando tarde, lembro-me de vovó e suas rosas cor de rosa, brancas e vermelhas misturadas, da bola de meia na parede com a tinta já a descascar e da gameleira da escola, que de tão enorme e imponente provocava o abraço entre curiosidade e medo.  Um arrepio, o silêncio me atravessa, sagrado. Conta a sua história pra mim também? Depois podemos ir embora sem saber sobre o amanhã.

Tudo o que queremos é um pouco de verdade afinal, dentre tantas coisas outras que estamos inevitavelmente a perder.